sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Fechar a porta, seguir a nova estrada

São precisamente 25 de novembro de 2022, 8:29 da manhã. Estou ouvindo "Somewhere only we Know" (Lily Allen).

Sonhei um sonho que por vezes sonho já tem um tempo. Eu sempre estou em um apartamento que supostamente eu havia alugado, mas não moro nele. É sempre assim, eu estou nele para buscar alguma coisa que deixei pra trás e finalmente entregá-lo. 



A sensação é tão bizarra que já acordei algumas vezes tentando me lembrar se havia o alugado alguma vez e não lembrava. Pra quem me conhece ou me acompanha aqui ou nas redes sociais, sabe que há 12 anos e meio atrás eu me mudava definitivamente de Araruama (minha cidade natal) para Niterói.

Inicialmente, como meu trabalho sempre foi na capital (Rio de Janeiro), morar em Niterói, cidade vizinha, era muito mais obvio, cabivel e até menos custoso.

Inciei assim minha jornada para um sonho: independência, cuidar de mim mesma, ter liberdade nas escolhas, de ir e vir e até sobre o que vestir. Sou caçula de três irmãs e sempre fui criada com certa "proteção". Nem andar de bike eu sei, nem incentivo algum pra isso tive. Tudo em minha cidade Natal era muito condicionado a com quem eu estaria, para onde, e como. Geralmente dependo de carona.

Em Niterói não, tudo é muito fácil e prático. Ônibus na porta, tudo perto. Ir ao cinema sozinha ou sair com amigos e voltar tarde não era mais algo impossível. Ou até mesmo andar de chinelo e shorts na rua. Sim, coisas simples como estas pra mim sempre representaram muito. Quem mora em cidade de interior sabe como as pessoas são muito mais preocupadas com a vida alheia (o que pode ser positivo às vezes pois o senso de comunidade é maior) mas que se torna irritante no ponto negativo, principalmente se você veio de uma igreja tradicional de cultura pentecostal com usos e costumes da europa do inicio do século passado.

Enfim, eu finalmente estive por 12 anos vivendo um tempo de muito aprendizado, liberdade, crescimento e maturidade. Mas muito do que eu pensei que iria realizar nessa nova cidade simplesmente não aconteceu. Tudo sempre foi muito dificil pra mim.

Relacionamentos amorosos que nunca deram em nada, carreira que nunca saiu do 'quase' nem deslanchou (sempre trabalhei em bons lugares mais parece que sempre fico bem se estou em posição cômoda e/ou na sombra de alguém, o que impede-me de crescer como pensei). Também materialmente e musicalmente parece que tudo sempre foi muito devagar pra mim.

Então veio a pandemia, nova década, mudanças na forma de trabalho, de se comunicar, e estar perto de casa parece que se tornou demais importante. Passei por crises severas de ansiedade, stress no trabalho (isso vem de antes de 2020), desilusões e cansaço emocional.

Uma coisa no entanto despontou durante esse tempo de tensão (digo tensão, como um fio que estica a ponto de arrebentar, mas no meu caso, não arrebentou, mas 'poiu', talvez) foi a área musical finalmente. Estava pela primeira vez feliz em meu trabalho, apesar do muito estress, e tive a oportunidade, após um momento dificil de saúde, de gravar uma de minhas composições e publicar nas plataformas digitais.

E ai iniciei na vida de artista independente. Finalmente. É, o que tem que acontecer vai acontecer não importam as circustâncias. Mas no meio de tudo isso, como disse antes, comecei a ter consciência que precisava de cuidado com minha saude mental, por conta da ansiedade. Comecei a me tratar com psiquiatra, terapia, ansiolitico e antidepressivos, associado a relaxante muscular (muitas dores musculares por causa do trabalho) e com o tempo, coisas que pra mim eram tão fáceis e prazerosas de fazer (como escrever aqui) se tornaram pesadas e cansativas.

Até que comecei a suspeitar de que eu poderia ser autista e finalmente, indo contra as opiniões de todos, fiz a avaliação neuropsicologica e recebi o diagnostico de Autismo nivel 2 com prejuizo de TDAH.

Foi uma supresa que causou alivio. Pois vi que vinha tratando a ansiedade (uma comorbidade) de forma errada. Isso tem apenas alguns meses, e veio junto com uma demissão. Sim, eu não contei neh? Devido a forte carga de stress no trabalho, apesar de eu estar "bem" a felicidade foi consumida pelas dores e o stress, então decidi mudar de emprego. Foi aí que consegui uma vaga que me pagava muito melhor e parecia ser um lugar de crescimento.

Foi então que tudo começou a mudar. Ou talvez um pouco antes. No inicio de 2022 comecei a pensar em retornar a minha cidade natal definitivamente, mas com a conquista do novo emprego e a nova igreja e amizades, pensei não ser o momento. E de fato não era.

Precisei de mais uns meses para ser demitida sem justa causa do novo emprego (com menos de 3 meses!), perceber o quão estressada e afetada mentalmente eu estava, gastar dinheiro com mudança de apartamento, receber o diagnostico de autismo e começar a entender e aceitar o porquê tantas coisas sempre foram tão difíceis pra mim (lembra lá do início do texto?) para que eu tomasse a decisão. Claro, você vai dizer o que todo mundo me diz :"não vai colocar tudo na conta do autismo" ou ainda, "seu diagnostico não te define". Mas a realidade é que explica muita coisa sim.


Há sentimentos, reações, dores, sensações, pressões que somente eu e Deus sabemos que enfrentei. Como para mim, coisas simples para outros, sempre foram pesadas, e outras que são normais a todos, pra mim não o são. Isso vem me afetando durante toda minha vida e, se não fosse a gloriosa graça de Deus, eu nem teria chegado onde cheguei.

Mas o diagnostico me possibilitou ver o quanto Deus é poderoso em minha vida e o quanto ele me ajudou a superar as dificuldades neuropsicológicas que eu nem sabia que tinha pra poder ir e estar nos lugares que ele preparara pra mim.

E então, sem emprego e cansada, finalmente estava diante de mim novamente a escolha: voltar ou não para cidade natal? A maioria dos meus mais proximos amigos, que tinham vindo de outra cidade para Niteroi, já haviam retornado. E ali Deus me respondeu que era o momento.

Foi muito difícil para mim aquiescer a essa decisão. Como escrevi acima, era uma conquista de emancipação, gosto de viver livre e isso era muito forte pra mim. Sem falar nas facilidades de uma metrópole que não se tem em uma cidade pequena.

Chorei muito, fiz muita pirraça com Deus. Mas quando o direcionamento veio, parece que todo peso que eu vinha carregando saiu e entendi que era chegado o tempo. Há coisas que nunca entenderemos, ou só entenderemos depois. Mas quando se anda com Deus sabemos que nada é em vão ou por acaso.

Volto para casa dos meus pais quase do mesmo jeito que saí, materialmente falando. Sem um imóvel próprio, sem carteira de motorista, sem casamento nem noivo, sem uma carreira profissional perfeita, mas com uma bagagem teológica, emocional e pessoal preciosa e forte. A independência, como sempre digo, está dentro da gente e não depende de onde estamos.

Na música Deus me deu oportunidades incriveis em 2022. Participei de eventos cantando solo e também de uma apresentação de natal (irá ao ar dia 25-11-22 no canal da Igreja Plena Icaraí). Aprendi muito e me afirmei como protestante reformada. Tenho muito pela frente mais vejo o quanto essa parte da minha vida é usada por Deus pra sempre me lembrar que não vim a este mundo por acaso.

Agora, com menos de duas semanas de volta ao lar, consegui novo emprego (home office full). Como alguém me disse, Deus só queria que eu voltasse pois sabia que se eu conseguisse emprego estando lá, não voltaria. Agora é apenas tempo de obediência.

E é isso. Estou aqui, com 37 anos morando com meus pais (os amo muito e ter o amor e cuidado deles sobre mim tem sido curativo e renovador). Deixar-se ser cuidado não interfere em nossa independência. Pelo contrário, mostra que alcançamos a maturidade de dizer "preciso de ajuda!". Forte é quem sabe a hora de dizer isso e não quem se fecha e se acha autosuficiente a vida toda. Corre este, o risco de morrer por dentro lentamente e sozinho, mesmo que tenha pessoas por perto.

Voltando ao sonho da casa, hoje eu acordei e entendi o significado do sonho. É um apartamento que eu estive por um tempo, como se eu o tivesse alugado, fiquei por pouco tempo, mas ao memso tempo aluguei outro e mantive-me com os dois por certo período. E aí eu volto a ele onde deixei coisas abandonadas, guardadas, mas que preciso recolher e resolver pra finalmente entregar-lo.

Esse imovel nunca existiu na vida real e nada mais é do que minha vida na cidade grande. Minha vida de correria, conquistas pessoais, amizades e amores, decepções, dores, mudanças constantes de igreja, bairros, casas, lutas... Eu mantive esse apartamento por um tempo porque era necessário, e assim é minha vida em Niteroi. Precisei mantê-la. Mas agora, sonhar com ela mostra que eu estava apegada, e finalmente precisava arrumar e sair de lá. No sonho dessa noite eu estava sem dinheiro suficiente pra voltar pra casa, e pedia a uma amiga, mas ao mesmo tempo eu queria ficar. Sabia que se ficasse mais um dia não teria dinheiro pra passagem, mas se eu voltasse logo  no mesmo dia, eu estaria segura. Mas eu relutava porque queria ficar mais um pouco. E eu arrumava uma cama, algumas roupas e elas estavam se rasgando (traduz bem todo o meu processo de indecisão durante 2022 que acabou me gerando prejuízos).

Mas, acabou o tempo. Acordei e a palavra desapego foi o que veio à minha mente. Preciso desapegar, deixar o tempo que vivi lá (que foi muito bom), para finalmente me abrir para essa nova jornada. Afinal, sempre fui daqui e sempre serei, Araruama e minha família sempre serão minha casa independente de pra onde Deus me leve (ainda sinto que ele me levará para muitos lugares).

Isso também foi algo que Deus me fez entender nesse tempo. Que ele me deu um espirito livre não pra eu fincar os pés num só lugar e viver pra mim mesma, mas pra eu voar, e jamais me apegar demais. Isso me traz esperança e faz todo sentido pra mim.


E aquela estrelinha solitaria que sempre enxerguei da janela do meu quarto na infancia (agora meu quarto de novo) era Deus falando que minha terra é onde ele quiser que seja. E assim, obedeço e sigo feliz e em paz nesse caminho.

Entrego finalmente meu "apartamento vazio", jogo fora as coisas que deixei lá que não prestam mais e carrego comigo tudo o que é util e boa bagagem pra estrada nova diante de mim. Fecho a porta, passo a chave e a entrego nas mãos do Proprietário. Aquele que me leva e traz como folha ao vento, não perdida, mas guidada pelo Seu Espírito.

E olha, fui ler a letra dessa musiquinha que veio na cabeça ao me sentar pra escrever aqui e tem tudo a ver, neh. Deixo um trecho aqui pra finalizar este post.

ByPIU <3

Oh, simple thing, where have you gone?
I'm getting old and I need someone to rely on
So tell me when you're gonna let me in
I'm getting tired and I need somewhere to begin
And if you have a minute why don't we go
Talk about it somewhere only we know?
'Cause this could be the end of everything
So why don't we go
Somewhere only we know?
Somewhere only we know

Oh, coisas simples, pra onde vocês foram?
Estou envelhecendo e preciso de alguém pra me apoiar
Então conte-me quando você vai me deixar entrar
Eu estou ficando cansada e preciso de um lugar para começar
E se você tiver um minuto, por que não vamos
Conversar sobre esse lugar que somente nós conhecemos?
Porque isso pode ser o fim de todas as cosias
Então porque nós não vamos
Para esse lugar que somente nós conhecemos?

ouvir música completa aqui: Spotify Link